Senhores Deputados da Comissão de Constituição e Justiça e
Cidadania da Câmara dos Deputados,
O processo histórico de construção dos Direitos da Infância
e Adolescência brasileiras atravessou obstáculos quase intransponíveis. Se foi
possível superá-los e alcançar a inestimável conquista que é o Estatuto da
Criança e do Adolescente, hoje referência mundial em Justiça Juvenil, o Brasil
deve isso à esperança e coragem inabalável daqueles que acreditam na capacidade
do homem de resolver seus impasses pelas vias da Justiça e dos Direitos, dos
que ousam apostar que os tempos escuros da violência cega e desmesurada contra
os grupos mais frágeis ficaram como inscrição lamentável nas páginas da
História da Humanidade.
Foram reunidos
esforços e saberes da sociedade civil e do Estado brasileiro na década de 1980
para transformar em Lei a convicção de que novos tempos haviam nascido para o
povo brasileiro, cuja infância e adolescência finalmente encontrariam amparo e
proteção por parte do Estado, da sociedade e da família. Essa Lei deveria se
transformar em políticas públicas organizadas em um Sistema de Garantia de
Direitos que permitisse o acesso com qualidade à Educação, Saúde, Assistência
Social, Lazer e Cultura, Segurança, Moradia, Trabalho, Liberdade e
Participação. Para os casos de violação de tais Direitos, um sistema de
proteção e defesa estaria organizado.
Lamentavelmente, 25 anos se passaram e as condições
sociopolíticas brasileiras não avançaram o suficiente para que a maior parte
das crianças e adolescentes vivam de modo digno e encontrem nos dispositivos
sociais os recursos para anteverem um futuro em cujo bojo esteja um projeto de
vida no qual a criminalidade de modo algum faça sentido. Sem desresponsabilizar
cada sujeito por suas escolhas, é preciso considerar que a desigualdade e a
injustiça social em muito potencializam o poder de sedução da criminalidade.
Ainda assim, diversas
pesquisas indicam que os crimes praticados por adolescentes correspondem à
menor parte, de menor gravidade (contra o patrimônio e tráfico) e com menor
grau de violência. Também é apontado que as ações de apreensão e penalização
priorizam adolescentes pobres, negros e moradores de periferia — vinculados ou
não à atuação criminosa.
Conclui-se daí que a violência social e o sentimento de
desamparo que perpassam o cotidiano da população brasileira não encontram
lastro nas informações equivocadas de que seriam os crimes praticados pelos
adolescentes o motivo para isto. Ao contrário, o que a realidade e os estudos
apontam é que a criança e o adolescente alvo das ações criminalizadoras são, em
sua maioria, vítimas desta mesma violência.
O Sistema Nacional Socioeducativo (SINASE), apesar dos
investimentos financeiros, politicos e técnicos recebidos, ainda funciona de
modo precário, sendo comum em muitos Estados brasileiros a ocorrência de
tortura e o assassinato de adolescentes. As denúncias ao Estado brasileiro e à
Entidades Internacionais dos maus-tratos e violações a meninos e meninas
durante o cumprimento de medidas socioeducativas são recorrentes. Entretanto,
tais denúncias redundam em poucas ações efetivas e imediatas de mudanças. A
lógica penal do encarceramento se sobrepõe ao legislado caráter educacional de
uma medidas socieducativas. É de tal modo grave a situação que a expressão
“mortandade da juventude brasileira” tem encontrado lugar entre aqueles que
trabalham com Direitos da Infância e Adolescência em nosso país.
Contudo, as medidas socioeducativas têm se mostrado capazes
de produzir algum efeito e estudos apontam que o índice de reincidência entre
adolescentes tem diminuído, sendo significativamente menor do que o apresentado
pelos adultos que passam pelo sistema carcerário. Este útlimo sabidamente
fracassado em cumprir com sua função social.
Ora, se a lógica de encarceramento é uma prática ineficaz
para enfrentar a violência, como a redução da maioridade penal poderia se
apresentar como uma solução viável? De que modo ampliar o universo de pessoas a
serem inseridas em penitenciárias poderia produzir algum efeito contra a
violência social? É uma solução esvaziada de valor jurídico, ético, político e
técnico. Em nada atende à real necessidade de resposta por parte do Estado à
violência social e vai na contramão dos avanços sociais e da realidade
econômica brasileira, pois exigiria investir recursos financeiros, humanos e
logísticos para fortalecer uma estratégia já falida e comprovadamente
inoperante.
É preciso lembrar ainda que o Brasil é signatário de pactos
internacionais que impedem tal retrocesso na Lei que trata da infância e
adolescência brasileira. Então, o Estado brasileiro, ao invés de impedir que
avance a barbárie da matança de adolescentes em seu território, investirá em
financiar a sua ampliação? Com qual futuro contam os Nobres Deputados ao
cogitarem a possibilidade de aprovarem a PEC 171? Contam com uma infância e
adolescência brasileira branca e rica, já que esta é a que está protegida pelo
sistema de segurança instaurado? A História nos dá mostra da tragédia de um
projeto social assim eugenista. O Holocausto deve servir para que os povos,
após a Segunda Guerra Mundial, digam não a qualquer tentativa de resolver os
problemas de segurança, econômicos e políticos pela via do recrudescimento da
violência, segregação e extermínio dos grupos sociais minoritários.
Não podemos calar frente à ameaça tão terrível e aqui vimos
dizer com todas as letras necessárias: NÃO À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL!
Não admitimos e não admitiremos que ideia tão estapafúrdia
quanto perigosa prossiga, posto que as boas intenções de que se revestem
aqueles que defendem a redução da maioridade penal não nos convecem, afinal:
"Viver é muito perigoso ... querer o bem com demais força, de
incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses
homens! Todos puxavam o mundo para si, para concertar consertado. Mas, cada um
só vê e entende as coisas dum seu modo” (ROSA, 2001, p. 32)
Aprovar a PEC 171/1993 é inscrever o próprio nome na
História como aquele que vaticinou a derrocada da esperança de que o Brasil
viesse a ser um país justo, democrático, solidário.
Confiantes na lucidez e seriedade dos Nobres Deputados, para
com os interesses da Nação Brasileira, assinamos este documento,
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente de Minas Gerais
- CEDECA-MG
Comissão de Psicologia e Política de Assistência Social do
CRP-MG
Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de
Minas Gerais – FDDCA/MG
FNTSUAS (Fórum Nacional de Trabalhadoras e Trabalhadores do
Sistema Único de Assistência Social)
Frente Mineira sobre Drogas e Direitos Humanos
Fórum das Juventudes
Oficina de Imagens
Pastoral da Juventude de BH
Fabiano Siqueira
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