Um dos mais importantes cartunistas do Brasil, Ziraldo entrou de forma no mínimo atabalhoada na polêmica do suposto racismo de Monteiro Lobato. Por Hugo Souza
Fonte: site opnião e notícia 25.02.2011
No início do ano letivo de 2010 a prefeitura municipal de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, distribuiu para todas as escolas da sua rede municipal de ensino kits contendo, cada um, 107 livros infanto-juvenis: 84 de Monteiro Lobato, o célebre criador do “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, e 23 de Ziraldo, ganhador do prêmio internacional Hans Christian Andersen, o “Nobel” da literatura infanto-juvenil. A ação foi muito festejada. Afinal, não é toda criança ou adolescente no país que tem acesso facilitado à obra completa de dois dos principais autores brasileiros do gênero.
Hoje, um ano depois, o orgulho da administração municipal de Campo Grande com sua iniciativa está cada vez mais dando lugar a uma baita saia-justa. Primeiro, a obra de Monteiro Lobato foi colocada sob suspeição após a denúncia de que um livro do autor adotado nas escolas públicas brasileiras desde a década de 1990 contém elementos racistas. Agora, Ziraldo entrou na polêmica de forma no mínimo atabalhoada com um desenho em que ironiza as acusações de racismo dirigidas a Monteiro Lobato e com a explicação controversa que deu para a ilustração.
Uma breve cronologia: em outubro do ano passado, o Conselho Nacional de Educação recomendou ao MEC a exclusão do livro “Caçadas de Pedrinho” do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) devido a menções consideradas preconceituosas à personagem negra Tia Anastácia, ou pelo menos a inclusão na obra de uma contextualização sobre a mudança de mentalidade ocorrida na sociedade brasileira desde a época em que o livro foi escrito, na década de 1930, quando, ainda que mais de 40 anos após o fim da escravidão, o preconceito racial ainda era muito arraigado mesmo entre os círculos mais esclarecidos da jovem República.
O debate que se seguiu foi centrado em dois pontos: Monteiro Lobato poderia ser absolvido pelos preconceitos do seu tempo, ainda que seja considerado um homem à frente dele? E mais: a importância da sua obra poderia ser comprometida pela sua afeição à eugenia?
‘Racismo sem ódio não é racismo’?
Pois quando o debate sobre racismo e censura pedagógica envolvendo o nome de Monteiro Lobato já ameaçava esfriar, Ziraldo apresentou, há poucos dias, o desenho que fez para estampar a camisa de um bloco carnavalesco carioca chamado “Que m* é essa?”. A ilustração mostra Monteiro Lobato, com suas inconfundíveis sobrancelhas, abraçado a uma mulata de curvas salientes.
O bloco, que por tradição aborda em cada carnaval um tema polêmico do cenário político brasileiro, decidiu neste ano criticar o que seus organizadores consideram uma tentativa de censura aos livros de Monteiro Lobato. Ziraldo abraçou a ideia, ilustrou a camisa do “Que m* é essa?” e saiu-se com essa:
“Para acabar com a polêmica, coloquei o Monteiro Lobato sambando com uma mulata. Ele tem um conto sobre uma negrinha que é uma maravilha. Racismo tem ódio. Racismo sem ódio não é racismo. A ideia é acabar com essa brincadeira de achar que a gente é racista”.
A reação não tardou. A escritora Ana Maria Gonçalves divulgou uma carta aberta intitulada “Lobato, Ziraldo e a carnavalização do racismo”, criticando ferrenhamente a ilustração criada para o bloco “Que m* é essa?” e na qual pinça diversos trechos das obras dos dois autores que provariam o racismo subjacente a ambas. Quanto ao trabalho de Ziraldo, Ana Maria ressalta especificamente a “docilidade” e a “resignação” com a condição de submisso que caracterizam as histórias do personagem Menino Marrom.
Certa vez, respondendo sobre de onde veio a inspiração para o Menino Marrom, Ziraldo disse: “Eu estava olhando no espelho e descobri que eu era marrom. Descobri que não existe gente preta, existe gente marrom. Foi assim que nasceu o Menino Marrom”.
Como as escolas tem trabalhado a questão de racismo, ou melhor, de PRECONCEITO, com nossas crianças e adolescentes?
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